Fafá, uma jovem advogada, casa-se com o amor de sua vida. Logo em seguida percebeu a traição do marido e se separou com apenas 3 meses de casada.
Inicia um novo relacionamento, no começo às mil maravilhas, casa-se novamente e separa novamente devido a incompatibilidade de gênero.
Novo namoro inicia desta vez sem se casar e novamente as coisas se repetem. O que será que acontece com Fafá? Será que ela é a culpada? Ou, por que as coisas se repetem?
Somente um tratamento, uma terapia poderá levar Fafá à uma conscientização dessa problemática que se repete.
O poder do Inconsciente é misterioso, irresistível.
É uma estrutura organizada como uma linguagem, uma força propulsora que nos leva a realizar escolhas como decidir o homem ou a mulher com quem partilhamos nossas vidas.
Nos leva também a escolher a profissão que exercemos, que nos confere identidade social, a escolher a cidade e a casa onde moramos.
Essas escolhas nos são impostas sem que saibamos efetivamente o porquê. Além disso Nasio, 2014 constatou que o Inconsciente tem o poder de nos compelir a repetir.
Nossa vida pulsa no ritmo da repetição desde a mais tenra infância, o mesmo tipo de afeição amorosa e o mesmo tipo de separação dolorosa.
Então, a repetição é uma repetição sadia e inconsciente, uma pulsão de vida
No entanto, infelizmente o inconsciente é a força que nos leva a reproduzir compulsivamente os mesmos fracassos, os mesmos traumas e os comportamentos doentios – então, uma repetição patológica.
O inconsciente rege os acontecimentos mais marcantes da nossa existência por meio, da pulsão de vida ou pulsão de morte.
A repetição está presente no sofrimento daquele(a) que se queixa e na mente do terapeuta para poder entender a significação das manifestações do paciente.
Existe a repetição sadia e a repetição patológica.
Na repetição sadia há efeitos benéficos como:
- O da autopreservação;
- Do autodesenvolvimento;
- E a formação da identidade.
Na repetição patológica pode constar:
- Fracassos graves; vários rompimentos amorosos;
- Distúrbios obsessivos compulsivos;
- Comportamentos aditivos como:
- Toxicomania,
- Perversão sexual,
- Vícios de jogos de azar
- Delinquência
- Bulimia
- Anorexia…
O que significa essa repetição patológica?
Repetição patológica é uma série de pelo menos três (03) três ocorrências na qual uma emoção infantil, recalcada aparece, desaparece, reaparece sob forma perturbadora com sintomas que levam ao ato, segundo NÁSIO, 2014.
Que passado traumático é esse que assombra o sujeito fazendo as repetições?
Emoção vivida na infância ou na puberdade por meio de um episódio traumático imaginado, ou real vivido no centro do acontecimento como vítima ou testemunha.
Um misto de pavor, ódio, asco e até prazer denominado por Lacan de “gozo”.
Tudo que emana do paciente, sua presença verbal, não verbal, passa pelo filtro do saber teórico e da intuição do terapeuta.
Há sempre uma primeira vez em que o sintoma aparece e essa aparição é essencial para compreender a causa do sofrimento.
Jamais compreenderemos uma neurose do adulto se não localizarmos a neurose infantil de que ela é a repetição. Toda neurose de adulto repete uma neurose infantil.
Importante que o psicanalista por ocasião das entrevistas iniciais procure a primeira aparição do distúrbio.
O distúrbio que não tem significação na cabeça do paciente sempre retorna em seus atos e, o distúrbio que encontrou sua significação para de retornar.
Por que trabalhar esse distúrbio é necessário?
Importante trabalhar a história do sintoma. O sintoma é a verdade do sujeito, a manifestação de como o indivíduo é no fundo de si mesmo.
Nessa história verificar os detalhes de uma tristeza, tremedeira, angústia, dor, choro… Em que ocasião ocorre, qual momento do dia, no trabalho, em casa, qual cômodo, sozinha, pensando em alguém? Fantasias inconscientes? Qual a atitude corporal? Enfim ter empatia pelo paciente.
O que é fantasia inconsciente?
Fantasias inconscientes são cenas difusas, embaralhada, imprecisa, gravada no inconsciente da criança no momento de um trauma – que é provável o suporte oculto do sintoma.
Por trás do sintoma esconde uma fantasia
O que é fantasia?
Fantasia é a recordação, o vestígio deixado no inconsciente, por um psicotrauma infantil. Uma ferida aberta que não cicatriza e lateja anos a fio – como um foco infeccioso que contamina o ser.
Aqui a repetição encontra-se a nível da emoção atual consciente e repete uma emoção infantil inconsciente. Por exemplo, uma criança prematura na incubadora em que a mãe não pode tocá-la, na verdade há uma repetição patológica de angústia do bebê de ontem.
E a psicanálise como pode ajudar?
A psicanálise não se define pela existência de um divã onde o paciente se deita e ou uma poltrona onde se instala aquele que escuta.
A psicanálise não se define pela disposição dos móveis ou somente pela associação livre. A psicanálise se define pela intensidade da relação Inconsciente entre o terapeuta e analisando. Tal relação depende do terapeuta perceber em seu inconsciente a fantasia do paciente e operar em dupla empatia.
O psicanalista deve ter um olhar duplo:
- Para trás, para o passado para encontrar referências de uma história que afeta o paciente;
- Para frente em busca de sinais pela fala om que recria a cena do seu sintoma, da fantasia.
O que vem a ser repetição?
Um movimento universal, uma pulsão que rege a ordem biológica, psíquica, social e cósmica. Exemplo: nosso corpo repete desde o nascimento até a morte, gestos vitais como: respirar, comer, escutar, evacuar, dormir…
No nosso psiquismo os mesmos sentimentos, pensamentos e atos.
Então, a repetição e a repetição do “mesmo”, da mesma coisa que reaparece, mas jamais idêntica.
E, para que haja repetição é preciso um agente humano.
O fato de todos os dias nos levantarmos e nos dedicarmos aos afazeres, dizemos sim à vida.
Meu corpo e meu Inconsciente, meus dois senhores, decidem até quando renovarei a perseverar no ser, isto é repetir.
A cada repetição aumenta meu conhecimento, instruído pela minha experiência e consolida minha identidade.
Spinoza revela-nos o que é a vida: que a tendência de todo ser é a “perseverar no ser”. E, enfatiza a força, o impulso que se preserva sem enfraquecer, triunfa todos os obstáculos.
Na repetição sadia:
Repetir nos estrutura, tranquiliza, pois sou aquele que “repito”.
A cada repetição aumenta o meu conhecimento, instruído pela minha experiência consolida minha identidade. A identidade é consolidada por todas as repetições que opero na vida e me constituiu.
O que em nós se repete?
Um passado que volta sem cessar ao presente sob três aspectos:
- Na consciência;
- Nos atos sadios;
- Nos atos patológicos
Na repetição patológica
Retorno compulsivo de um passado traumático que explode em comportamentos repetitivos, liberadores de tensões, por vezes mais violentos e doentios.
Retorno ao passado sentidos pelas sensações visuais, auditivas, táteis, olfativas, gustativas, uma verdadeira rememoração, fruto de uma ilusória reconstrução.
Uma outra forma de recordação do passado é sob a forma de um comportamento vivido que o sujeito reproduz sem saber que é seu passado e o faz tomar decisões de repetir aquele ato.
Esses atos são os que nos ligam ou nos separam da criatura amada, da coisa ou ideal amado.
Somos nosso passado em ato e às vezes tomamos decisões que resulta nos mesmos fracassos e erros.
Quando o inconsciente é fonte de vida ocorrem atos criativos. E, quando é força de morte numa ação compulsiva, nos desestabiliza, trata-se de um passado, um passado conturbado que desestabiliza por um passado traumático, recalcado.
É a repetição patológica compulsiva, que leva inúmeros pacientes o consultório do analista.
O trauma gera trauma e o gozo gera o gozo.
Por que o adulto repete à sua revelia uma experiência tão penosa quanto ao trauma infantil que sofreu?
Pelas repetições:
1º Simbólica – repetição compulsiva que pode ter ocorrido por um defeito de simbolização, ou o que foi excluído do simbólico – reaparece no real
2º Econômica – o gozo traumático carregado de tensão e quer ser revivido para liberar energia. Se não for evacuado o gozo repetirá.
3º Clínica – centrado na angústia, o trauma foi avassalador e a criança não teve tempo de recuar, de fugir do perigo para se proteger. Repetido nos pesadelos para se angustiar.
4º Genética – segundo Freud, o sujeito traumatizado permanece fixado na experiência doentia de satisfação significada por seu trauma. Assim, o sujeito adulto não conheceria outro modo de satisfação senão aquele brutal, sentido por ocasião do trauma. Busca do mesmo prazer contaminado de dor – gozo vivido na infância.
A causa da repetição patológica é explicada como a atração irresistível exercida por um modelo exclusivo e doentio de satisfação. Na realidade o gozo não pede nada, não quer mudar nada. Quer continuar e permanecer idêntico a si mesmo.
Etapas do gozo compulsivo
- Psicotrauma – excitação num eu fraco demais para reprimir. Pode ser uma violência única ou uma série de microviolências frequentes e repetidas que se acumulam. Pode ser excesso de sofrimento, ou excesso de prazer, excesso de presença. Penso num comportamento doentio da mãe que sufoca o filho com excesso cotidiano de ternura sensual, ansiosa e possessiva, ou excesso de ausência, por exemplo um bebê abandonado que depende da mãe.
- Irrupção violenta na criança – emocional que seria o gozo.
- Foraclusão do gozo ou falta de simbolização – ausência de um significante que deveria representar o gozo, que deveria ter ocupado o lugar do “nome-do-pai e não o fez. Antes que o gozo seja recalcado e transforme em trauma, uma cena gravada e aparece como uma fantasia, fantasia inconsciente.
- Fantasia, fantasia inconsciente. Por que inconsciente? Pois logo que se forma ela é recalcada, relegada ao inconsciente.
- Relegado então no inconsciente, o gozo, permanece durante anos desde a infância até a idade adulta.
- Período de incubação, o gozo – isolado, errático, que fermenta e pode implodir o corpo do adulto.
- Na idade adulta, o gozo explode em atos compulsivos, irreprimíveis e repetitivos.
Modalidades da repetição patológica:
1º Repetição temporal – composta por uma série de microtraumas regulares, conscientes pelo paciente, que não passa de encontrar as mesmas sensações e emoções despertadas na infância.
2º Repetição tópica – que significa lugar, não é reconhecível pelo paciente, por ser inconsciente, mas deduzida pelo analista. Regida essencialmente pelo simbólico.
Repetir é sempre repetir o gozo compulsivamente num distúrbio da personalidade ou do comportamento.
A repetição patológica é compulsiva, a repetição sadia não é compulsiva.
Causa da Repetição Patológica
Como atração irresistível exercida por um modelo exclusivo e doentio de satisfação.
No entanto, o gozo quer compulsivamente permanecer no gozo contaminado por uma angústia pois, não quer “mudar nada”.
“A vida é a força que faz perseverar as coisas em seu ser” – Spinoza
Deixe seu comentário, ou perguntas.
Roseli Bacili Laurenti